Com boneca nos braços, idosa com Alzheimer passa por procedimento cardíaco de alta complexidade no Hospital Regional do Sudeste do Pará
Cuidado humanizado e acolhimento, marcaram a intervenção realizada no Serviço de Hemodinâmica da unidade em Marabá

Uma imagem comovente rompeu a rotina do Serviço de Hemodinâmica do Hospital Regional do Sudeste do Pará – Dr. Geraldo Veloso (HRSP), nesta sexta-feira (27). Dona Anelina do Espírito Santo, 77 anos, diagnosticada com Alzheimer, foi submetida a um delicado procedimento cardíaco, mas impôs uma condição para aceitá-lo: não se separaria, em hipótese alguma de sua boneca, que trata com o carinho de uma filha, como se fosse um “bebê reborn”.
Moradora de Novo Repartimento, na região do Lago de Tucuruí, Dona Anelina foi encaminhada ao hospital para a realização de um cateterismo com angioplastia e colocação de stent, intervenção necessária para desobstruir uma artéria coronária e restabelecer o fluxo sanguíneo ao coração.
Crisila Reis, enfermeira responsável pelo serviço de hemodinâmica, explicou que diante do quadro clínico e da condição neurológica da paciente, a equipe médica e assistencial optou por atender ao pedido da idosa, em um gesto que une técnica e humanização à paciente.
“A boneca foi cuidadosamente higienizada, protegida com barreiras de segurança e acomodada ao lado da paciente durante toda a cirurgia, sem comprometer os protocolos de assepsia e a segurança hospitalar. Essa atenção especial trouxe tranquilidade para Dona Anelina, que se manteve calma e serena durante o procedimento, que foi um sucesso”, explicou a enfermeira.
A equipe assistencial se mobilizou para garantir o acolhimento da paciente em todos os detalhes, como conta a enfermeira Karoline Gomes, que esteve ao lado da paciente nos momentos que antecederam o procedimento. “O cuidado vai muito além da técnica. Quando compreendemos o vínculo afetivo que ela tem com a boneca, percebemos que respeitar esse elo era essencial para que ela se sentisse segura e tranquila”, afirmou.
O diretor assistencial Alan Ferreira destacou que o caso evidencia o compromisso da unidade do Governo do Pará, com uma assistência centrada no paciente, especialmente em contextos de maior vulnerabilidade. “Mais do que realizar um procedimento com excelência, a equipe cuidou da história, da memória e da dignidade de uma mulher que, mesmo enfrentando os limites impostos pelo Alzheimer, encontra afeto e segurança nos braços de uma boneca”, enfatizou.

Memória afetiva - Dona Anelina é mãe de três filhos e avó de dez netos. Sempre foi apegada à família e repetia com frequência: “ser mãe é pra sempre”. Mesmo após o diagnóstico de Alzheimer, há sete anos, essa certeza permaneceu intacta, ainda que a memória começasse a falhar. Seguindo a orientação do neurologista, a família procurou formas de preservar seus vínculos afetivos.
“Ela sempre gostou de cuidar, sempre foi muito carinhosa com a gente. Quando o Alzheimer chegou, a gente percebeu que ela precisava de algo pra se sentir segura. Ela começou a tratar essa boneca como uma filha. Como não tivemos condições de comprar um bebê reborn, foi essa bonequinha simples mesmo. “Ver que o hospital respeitou esse vínculo e acolheu minha mãe desse jeito foi um alívio imenso pra nossa família”, contou a filha Aldenora Santos, emocionada.
Aldenora conta que a relação com a boneca surgiu de forma espontânea, durante as brincadeiras com as netas. Com o tempo, Dona Anelina criou um vínculo profundo com uma das bonecas, que passou a representar um elo afetivo essencial em sua rotina. Desde então, carrega a “filha de brinquedo” nos braços com o mesmo zelo de uma mãe.
“Ela chama a bonequinha de ‘Neném’, o mesmo apelido carinhoso que usava para um dos meus irmãos, que já faleceu. É como se, de alguma forma, ela mantivesse viva essa memória através do cuidado”, relatou a filha, emocionada.
Ao acordar do procedimento, ainda sob os efeitos da sedação, Dona Anelina olhou para o lado, viu sua boneca nos braços e sorriu. “Ela ficou quietinha comigo. É minha filhinha, nunca me deixa sozinha”, disse com voz suave, como se embalasse lembranças adormecidas pelo tempo.

Excelência em hemodinâmica - O Serviço de Hemodinâmica do Hospital Regional de Marabá, gerenciado pelo Instituto Social e Ambiental da Amazônia (ISAA), em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), é referência em cardiologia intervencionista no Estado. A unidade realiza procedimentos de alta complexidade, como cateterismo cardíaco e angioplastia coronariana.
Equipado com tecnologia de ponta e uma equipe altamente qualificada, essenciais para o diagnóstico e tratamento de doenças cardiovasculares, o serviço permite a realização de intervenções minimamente invasivas, que proporcionam mais segurança, menos tempo de internação e maior conforto ao paciente, que caminha lado a lado com a humanização.

O cardiologista intervencionista Arilson Rodrigues, que atua na unidade, destacou a importância de unir excelência técnica ao cuidado humanizado. Segundo ele, cada paciente carrega uma história, e compreendê-la é essencial para o sucesso terapêutico.
“No caso da Dona Anelina, sabíamos da complexidade clínica, mas também entendemos que respeitar o vínculo emocional dela com a boneca seria decisivo para garantir sua estabilidade no procedimento”, afirmou o médico. “A medicina moderna não se limita à técnica. É preciso olhar para o ser humano por completo, ela nos lembrou disso com muita doçura”, concluiu.
Para o especialista, o gesto simples de permitir que a paciente estivesse com a boneca nos braços tornou-se símbolo de uma abordagem sensível e eficaz. “A cirurgia foi bem-sucedida, a paciente respondeu muito bem e, sobretudo, se sentiu acolhida. Isso também faz parte da cura”, completou.
Perfil da unidade de saúde: Os serviços no Hospital Regional do Sudeste do Pará são 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A unidade tem 135 leitos: são 97 de internação clínica e 38 nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) - Adulto, Pediátrica e Neonatal.
Texto: Ederson Oliveira (HRSP)