Da cozinha à sala de aula, gastronomia paraense reforça tradições e identidade regional
Com o curso de Tecnologia em Gastronomia, oferecido pela Uepa e pelo 'Forma Pará', profissionais são capacitados para valorizar o ppotencial dos sabores amazônicos
Reconhecida como uma das mais autênticas do Brasil, a gastronomia paraense se destaca por seus ingredientes regionais, aromas inebriantes e, principalmente, sabores únicos. Características que extrapolam as fronteiras da cozinha e chegam às salas de aula, transformando pratos do dia a dia em experiências sensoriais à mesa.
A fim de profissionalizar uma área tão promissora, o Governo do Pará investe na formação específica, por meio do curso de Tecnologia em Gastronomia, oferecido pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), e em programas especiais que potencializam esse segmento da cultura paraense como elemento estratégico para o incentivo ao turismo e desenvolvimento regional.
Professor de Gastronomia, Vanderson Dantas explica que a construção do curso foi articulada pela gestão universitária, com o reitor Clay Chagas, docentes, pesquisadores e representantes da sociedade civil.
Conhecimento - “O curso tornou-se o primeiro a ser ofertado por uma universidade pública na Região Norte, abrindo portas para estudantes que, muitas vezes, não dispõem de recursos financeiros para arcar com uma graduação particular. Desde sua implantação, o curso já formou três turmas, e conta, atualmente, com duas turmas em atividade. Os estudantes desenvolvem projetos que aliam prática culinária, pesquisa, sustentabilidade e promoção da cultura alimentar local, contribuindo para a transformação social por meio da gastronomia”, explica o professor.
Estruturado para formar tecnólogos na área, que reconhecem a riqueza e diversidade dos sabores regionais, o curso também valoriza a cultura alimentar com a disciplina “Gastronomia Amazônica”, na qual, acrescenta Vanderson Dantas, “os alunos aprofundam seus conhecimentos sobre ingredientes nativos, modos de preparo tradicionais e a história dos pratos que compõem a identidade alimentar paraense”.
"Forma Pará" - Liane Cunha, moradora de Salinopólis, no nordeste paraense, formou-se em Gastronomia pela turma ofertada no município pelo Programa Forma Pará, executado pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia, Educação Superior, Profissional e Tecnológica (Sectet). Com uma trajetória familiar na área - a mãe trabalha no ramo alimentício -, Liane diz que a gastronomia a escolheu. Ela conta que começou a trabalhar com a venda de sanduíches, e depois “surgiu a oportunidade de fazer o concurso do Estado (Seduc). Fiz e passei para merendeira escolar”. Liane conciliou a jornada de servidora pública com as atividades de empreendedora.
Liane acrescenta que, “quando entrei no curso de Gastronomia, eu já tinha uma certa experiência, mas aprendi que tu podes até ter a receita, mas se não tiver a técnica nada sai perfeito. A gastronomia é uma ciência. O Programa Forma Pará, a universidade e os coordenadores foram um divisor de águas para 35 pessoas aqui no município. Hoje, eu ainda tenho a venda de pastel na praça, mas depois do curso estou também atuando em eventos gastronômicos, atendimento como coffee break, buffet, etc”.
Patrimônio imaterial - Na avaliação do professor Vanderson Dantas, o curso promove contato direto com profissionais da área. Segundo ele, “essa imersão no território e nas comunidades reforça a formação crítica e sensível do futuro profissional, capacitando-o para atuar de forma ética, inovadora e comprometida com o desenvolvimento sustentável e cultural da região. Dessa forma, o curso não apenas qualifica os alunos para o mercado de trabalho, mas também contribui para a valorização, salvaguarda e difusão da gastronomia paraense como patrimônio imaterial da Amazônia”.
O curso de Gastronomia é ofertado em Canaã dos Carajás, no sudeste do Pará, por meio de convênio entre a Uepa e a Prefeitura do município. A parceria oferta ainda turmas de Fisioterapia, Biomedicina e Secretariado Executivo Trilíngue. O município tem uma formação populacional diversa, resultado do fluxo migratório de pessoas de outras regiões do Brasil, em função das oportunidades de mineração e agronegócio existentes no sudeste do Estado. Consequentemente, acabam em um novo ambiente cultural e alimentar.
Por esses fatores, explica o professor Vanderson Dantas, alunos do curso de Gastronomia de Canaã estranham o paladar tradicional paraense. “São sabores fortes, com técnicas muito específicas e ingredientes que, para quem não nasceu ou cresceu imerso nessa tradição, podem parecer exóticos ou estranhos no primeiro contato. No entanto, esse estranhamento geralmente vai sendo superado ao longo do curso, conforme os alunos têm a oportunidade de conhecer mais profundamente a história, os ingredientes nativos, as técnicas tradicionais e o simbolismo da culinária paraense. Muitos passam a valorizar, e até se orgulhar dessa identidade, especialmente quando percebem a riqueza cultural e o potencial gastronômico da região”, acrescenta o professor.
Ele ressalta, ainda, que “esse processo de descoberta também é um ponto muito positivo do curso, pois permite ressignificar a identidade alimentar local e formar profissionais conscientes da importância de preservar e valorizar os saberes e sabores amazônicos”.