Atendimento da Emater abre portas de políticas públicas a agricultores de Mosqueiro
Governo do Pará leva documentação, tecnologia e comercialização

Na sala da casa central do Sítio Froes Silva, na Ilha de Mosqueiro, Distrito de Belém, Odete Fróes, de 75 anos, toda noite assiste à história de outra Odete: a Roitman, personagem da novela Vale Tudo, da TV Globo: “Eu acho que somos duas mulheres fortes e importantes. A diferença é que ela é vilã e famosa. Eu sou a Odete do lado do bem e conhecida só na minha região Caruaru”, brinca. O endereço adentra mais de dez quilômetros de areia e terra batida, rodeadas de floresta, a partir do Km 28 da rodovia Engenheiro Augusto Meira Filho, PA-391, a chamada “Estrada de Mosqueiro”.
A história da hoje aposentada dos serviços da roça, não pela idade, segundo ela, e sim por uma sequência de quedas, que lhe retiraram quase de todo a mobilidade, também merece ser contada, no contexto de atendimento coletivo do escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (Emater), em Belém. A agricultora começou a ajudar nas lavouras ainda criança, na sequência de uma tradição ancestral, e agora incentiva a prole à sucessão familiar.

“Meus pais, meus avós, meus tataravós. Meu marido falecido. Tudo agricultor. A gente está continuando a nossa raiz, mantendo viva. E é o que ofereço de herança para os meus filhos”, diz Odete Fróes.
Uma dos nove filhos, Maria Gracilene, de 43 anos, acaba de receber da Emater, em reunião na sede da Associação dos Pequenos Agricultores da Mari-Mari II (Apamm), na quarta-feira (15), dois documentos fundamentais para a habilitação às políticas públicas do setor agrícola e fundiário: o cadastro nacional da agricultura familiar (caf) e o cadastro ambiental rural (car) da propriedade, desmembrada da área total da família - no caso, um pouco mais de meio hectare, por ora sem nome, onde plantará mandioca.
“Eu fui para Belém estudar, voltei, e então decidi retomar este conhecimento que vem de gerações, né? Meu principal objetivo é gerar renda”, detalha Maria Gracilene.

No evento, na quarta-feira, foram entregues cinco cafs e dois cars. A força-tarefa de cadastramento pela equipe da Emater, com colaboração da Associação, realiza-se quase toda semana. Uma das metas imediatas é habilitar para o fornecimento para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), via edital da Prefeitura.
Este ano, em Mosqueiro, com o apoio da Emater, 13 famílias da Comunidade abastecem mensalmente abrigos e centros de referência de assistência social (cras), entre outras instituições governamentais, com quatro toneladas de alimentos como banana, macaxeira e cheiro-verde e lucro estimado o qual alcança os 50%.
“O PAA é uma oportunidade muito vantajosa para o agricultor familiar de Mosqueiro, no sentido de garantia de compra a preço competitivo. Isso nos permite não só perseverar nas atividades, manter nossa existência campesina, como expandir e melhorar os sistemas. Desde o PAA, do qual a Apamm participa há quatro anos, algumas famílias chegaram a triplicar a produção, porque têm pra quem vender. A Emater é uma grande parceria no processo de documentação”, considera o presidente da Apamm, Daniel Luz, de 64 anos.

De acordo com a Liderança, a expectativa é que, pela mobilização e conscientização, o número de famílias da Mari-Mari II no PAA aumente mais de 300% em 2026. São 153 associados, vivendo em lotes familiares no padrão de 17 hectares e meio.
Para a engenheira agrônoma da Emater, Soraya Araújo, especialista em políticas públicas e mestra em Agricultura Familiar e Agroecologia, o papel da Emater é edificador e instrumento cidadão: “A Emater é Governo do Pará na ponta: em presença física e em retaguarda constante. Nós chegamos a todos os lugares do Pará: embora moradoras de Belém, muitas dessas famílias enfrentam, sim, distâncias, dificuldades geográficas e sobretudo vulnerabilidades socioeconômicas. Nós fomos in loco e ficamos disponíveis para a comunicação digital, pelo whatsapp, o que facilita e desburocratiza. Significa, na prática, que a Emater acompanha o protagonismo das famílias nas mudanças da sociedade no campo e dá visibilidade a esses cidadãos, seus fatos e seus direitos”, aponta.

A extensionista destaca a questão das novas gerações: “Os avós estão se aposentando, os filhos estão na gestão das propriedades, os netos já estão casando e constituindo os próprios núcleos: em tal dinâmica, são novas titularidades e subdivisão patrimonial, dos hectares dos lotes. O laço consanguíneo se estende a uma sociedade que é patrimonial, comercial e cultural”, analisa.
Resultados
No Sítio Moura, o casal Francisco Lima, e Maria Marly Carvalho, ambos de 58 anos, tem um crédito rural vigente via projeto da Emater e a liberação do Banco da Amazônia (Basa), da linha B do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), no valor de R$ 10 mil. Eles trabalham com abelha, farinha d'água, frango caipira, goma de tapioca, hortaliças, pimenta-do-reino e tucupi.
“Tudo junto e misturado. Temos de tudo um pouco, e talvez um tanto. É uma forma de diversificação de renda e segurança alimentar, porque a gente não só comercializa, como consome”, aponta Lima. Apenas por demanda do Círio de Nazaré 2025, a família comercializou 800 litros de tucupi e 200 quilos de goma de tapioca.
Conforme o técnico em aquicultura e pesca e técnico em agropecuária da Emater, Ryan Anderson Carneiro, a difusão tecnológica capitaneada pela Emater transforma a realidade produtiva e, por conseguinte, a qualidade de vida dos agricultores de Mosqueiro.
“Nós sugerimos tecnologias de cunho social, com respeito aos costumes e acessíveis no aspecto financeiro. Algumas adaptações orientadas figuram até sem custo, com reciclagem e aproveitamento de resíduos. Na avicultura, é possível recolocar garrafas pet como comedouros e bebedouros e suplementar a nutrição dos animais com descartes de hortaliças”, explica Ryan Carneiro.
Texto de Aline Miranda