Países Baixos e Austrália aumentam o interesse pelo açaí produzido no Pará
Apesar de o mercado norte-americano ainda ser o maior destino do açaí paraense, o Estado consolidou o produto como superalimento amazônico de alcance global
O açaí produzido com hegemonia pelo Pará ganhou o mundo. Apesar da maior parte da exportação ainda ser direcionada aos Estados Unidos (58%), houve um expressivo avanço este ano na aquisição do produto por outros mercados como os Países Baixos/Holanda (12,7%), a Austrália (15,6%) e o Japão (11,2%), reforçando a diversificação geográfica da demanda. Os dados levantados pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap) mostram o interesse também de países localizados no Oriente Médio, como é o caso dos Emirados Árabes.
Na casa das paraenses Jéssica Alves e da filha Vicky, localizada na cidade de Melbourne, na Austrália, o que não falta é açaí. Aliás, a fruta paraense faz parte da vida profissional da Vicky, que conseguiu unir o útil ao agradável. Ela trabalha na loja Açaí Heaven e para sempre vai lembrar do primeiro emprego. O produto tem ampla popularidade também nos bares e cafés das cidades australianas, como conta Jéssica, que se criou no distrito de Icoaraci.
Há 12 anos morando do outro lado do planeta, ela diz que sente muita falta da forma como o produto é consumido no Pará. “Sinto muita falta do verdadeiro e puro açaí que só encontramos no Pará. Aqui na Austrália estamos em um boom do sorvete de açaí que vem do Brasil, por isso é muito fácil encontrar lugares que vendem o sorvete de açaí nas esquinas dos bairros das cidades da Austrália. O açaí caiu no gosto dos jovens australianos, porém eles consomem de uma forma bem atípica para nós paraenses: açaí com chocolate, granola, frutas, nutella, molho de pistache, mel e muito outros”, observa a paraense.
Na Holanda, o paraense Antônio Queiroz, que mora há dois anos no país, também comenta sobre a relação que tem com o açaí, mesmo distante do seu município de origem – Novo Repartimento, na Região de Integração do Lago Tucuruí. Ele diz que consegue consumir o produto, mas com certa dificuldade, pois assim que o açaí chega aos pontos de venda, a saída é muito rápida.
“A gente consome o açaí aqui, mas ainda temos dificuldade para encontrar o produto. Tem uma rede de supermercado que vende, mas quando o açaí chega, às vezes não consegue atender nem todas as unidades que eles têm aqui; fica em alguns supermercados, mas acaba muito rápido. Quando chega, em dois dias acaba tudo”, conta.
Ele explica que há venda do produto fora das redes de supermercados, feita por empreendedores que conseguem o produto e comercializam ao preço de 20 Euros o litro. “Quando anunciam que chegou o produto, também acaba rápido o estoque deles”, informa.
O paraense diz que embora não consuma o açaí com a frequência que gostaria, aprecia ao máximo o sabor do produto típico do Pará quando consegue encontrar na Holanda. Mas, não esconde que sente falta mesmo do açaí saído direto dos pontos de venda artesanal, que são encontrados “à vontade” no Pará. “Sentimos falta e a oferta do açaí aqui ainda é pouca diante da demanda e da procura”.
Superfruta da Amazônia para o mundo - O mais recente levantamento da Sedap, feito pelo Núcleo de Planejamento e Estatísticas (Nuplan), pegando especificamente a Austrália, mostra que houve uma variação de 41% a mais quando se compara o período de janeiro a agosto de 2024 com o mesmo período do ano atual. Ano passado o país importou 1.493 toneladas de açaí. Este ano, de janeiro a agosto foram enviadas para a Austrália 2.111 toneladas do produto, conforme repassou o estatístico Ulisses Silva, responsável pela elaboração do estudo.
Mas, a variação mais alta de um ano a outros foi na Holanda (565%). Ano passado, nos sete primeiros meses do ano, o país importou apenas 260 toneladas enquanto este ano, no mesmo período, foram compradas do Pará 1.726 toneladas. A segunda maior variação foi registrada em relação ao Japão (563%). De 229 toneladas registradas ano passado, houve um salto para 1.515 toneladas.
Para o gerente de fruticultura da Sedap, engenheiro agrônomo Geraldo Tavares, ao longo dos anos a comunidade internacional vem tomando conhecimento do açaí, que é considerado uma superfruta. No Japão, por exemplo, a fruta desperta interesse pelos benefícios medicinais e não apenas pelo sabor.
“O açaí tem antioxidantes, valores elevados até mais do que a uva, por exemplo. Ao longo do tempo as pessoas vão tomando conhecimento dessas propriedades e exigindo a oferta desses produtos. Há ainda os que não conhecem, mas muitos outros países já têm essa realidade como uma coisa plena”, avalia.
Nos últimos 10 anos, a preponderância se limitou mais aos Estados Unidos e ao Japão, que chegou a exportar quase 40%, segundo lembra o engenheiro agrônomo. Ao longo dos anos, apareceram outros países como a Austrália, cuja exportação era mínima décadas atrás. “Hoje há o interesse dos Países Baixos e de outros como Portugal. Temos uma pequena participação da Ásia. Com o tarifaço, acredito que os EUA irão reduzir a importação e ao longo do tempo o açaí irá se espalhar para outras regiões como Europa, Ásia e Oriente Médio”, estima Tavares.
A fama que o açaí já ganhou e ainda vem alcançando cada vez mais mundo afora tem muito a ver, também, como ressalta Tavares, com a participação da superfruta em eventos de destaque nacional e internacional.
A maior parte do consumo fora do Pará é feito no formato de mix (açaí com granola ou com guaraná, por exemplo), apesar de ocorrer o consumo da polpa, como descreveu Geraldo Tavares. Fora e dentro do Brasil – diferentemente de como é consumido no Pará, o açaí é considerado uma sobremesa. “Não é como no Pará que faz parte da cesta alimentar do paraense. É normal no exterior se fazer essa mistura. Mesmo no Brasil, o crescimento do mix é muito grande. Os brasileiros não estão acostumados a consumir como os paraenses – com farinha e tapioca. Ao longo do tempo vão se universalizando essas práticas. Esse é o caminho”, acredita o gerente de Fruticultura.
A tendência, segundo avaliou, é que o volume de mix exportado cresça em relação à polpa. “No futuro terá só açaí em pó sendo exportado e mix. Quando você exporta em pó, minimiza os custos de exportação. A partir do açaí em pó é possível se fazer vários produtos. Creio que o caminho será esse”.
Consumo interno - Pelo menos 90% do que é produzido no Pará permanece no território nacional, segundo observou Tavares. Mesmo com números elevados gerados pela comercialização fora do Brasil - ano passado foram gerados 49 milhões de dólares com a exportação - a maior parte da venda do produto processado pela indústria abastece o mercado interno (tanto regional quanto nacional).
“Há um mal entendido entre exportação e venda interestadual. Muito embora a exportação do açaí seja expressiva, o grande volume de venda é mercado nacional”, frisa Tavares.
Na avaliação do gerente de Fruticultura, o impacto da taxação sobre o açaí imposta em 50% pelo governo norte-americano será absorvido pelo mercado local, até porque existe uma demanda insatisfeita. “O açaí, ao contrário de outras frutas como laranja e suco de abacaxi, praticamente não possui concorrentes em nível mundial. É facilmente absorvido. Existe essa flexibilidade na oferta”, diz.
Exportação - De acordo com os dados levantados mensalmente pelo Nuplan da Sedap, entre janeiro e agosto, foram embarcadas cerca de 13,6 mil toneladas da fruta, crescimento de 88% em volume e 108% em valor frente ao mesmo período de 2024.
“Com participação de 55,2% no total brasileiro, o Estado consolidou o açaí como superalimento amazônico de alcance global, diversificando mercados com destaque para Países Baixos e Japão, além de manter os Estados Unidos como principal destino”, observou o responsável pelo estudo, estatístico Ulisses Silva.
Com esse desempenho, o Pará manteve a liderança nacional, à frente de São Paulo, com 31,4%, como ressaltou Silva. “O comportamento mensal das exportações de açaí em 2025 manteve-se acima dos níveis de 2024 em todos os meses, evidenciando a expansão contínua da fruta no mercado internacional”, diz.
Após atingir o menor patamar do ano em julho (1,08 mil toneladas), como mostra o acompanhamento da Sedap, houve uma recuperação em agosto, com 1,51 mil toneladas exportadas, o que representa uma variação positiva de 39,6% em relação ao mês anterior. “Essa retomada confirma a resiliência do setor e reforça o desempenho acumulado, que consolida o Pará como principal polo exportador de açaí do Brasil”, analisa o estatístico.
Ações do Governo promovem a fruta - Programações como o Festival Açaí Pará, realizado pela Sedap, introdução do açaí na merenda escolar, estímulo às boas práticas na produção e manipulação, realização de cursos de capacitação aos batedores estão entre as ações que o Governo do Estado promove para a cadeia paraense do açaí.
Também está sendo trabalhado pelo Governo do Estado, o processo de Indicação Geográfica (IG) do Açaí do Pará, conduzido pela Sedap por meio do Fórum de Indicações Geográficas e Marcas Coletivas do Pará. A certificação pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) garantirá reconhecimento e valorização do produto no mercado.
Simultaneamente, o Governo Estadual trabalha para unir tradição com a modernização do modo de produção do açaí desde a base – quando há a coleta do fruto – até o produto final. O Governo acompanha o desenvolvimento de soluções voltadas à modernização da cadeia produtiva do açaí. Entre as iniciativas estão o robô coletor automatizado, a tecnologia de transformação do açaí em pó e a fabricação de basquetas plásticas, utilizadas nos processos logísticos internos e no transporte de frutos e componentes industriais.
O Estado já trabalha com a construção do futuro Fundo Estadual de Apoio do Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Açaí (Fundo Açaí). Uma das finalidades com a criação do Fundo Açaí é ampliar a eficiência da produção e comercialização do fruto com a viabilização de ações e projetos voltados à melhoria e ampliação da cadeia de açaí, conforme informou Geraldo Tavares. Segundo ele, com a criação do Fundo e de um programa que fortaleça a açaicultura, o Estado poderá ampliar sua produção e comercialização do açaí e ainda abastecer a demanda interna.
O titular da Sedap, Giovanni Queiroz, disse que a secretaria está trabalhando com mecanismos para estimular mais o plantio do açaí para atender não só a exportação como a demanda interna. Cada vez mais, como observou o gestor, países de diferentes continentes demonstram o interesse pelo açaí, como a Índia e a China, conforme citou o gestor.
“Esses países já aderiram à procura pelo nosso açaí. É uma cultura natural da Amazônia e que nós temos uma condição muito boa para produzir mais e isso oferece, inclusive, uma independência econômica ao produtor, ao agricultor familiar; nós temos que potencializar a nossa capacidade de extrair mais, estimulando o plantio das culturas diretas, entre elas o açaí, que é um transformador da condição de vida do cidadão”.
Interesse crescente - Até os anos 1970, o açaí era explorado unicamente pelo palmito, como relembra o gerente de Fruticultura da Sedap. Esse interesse causou devastação grande no território paraense. “Produtores até jogavam fora o açaí, pois, o preço não era satisfatório. Se dedicavam mesmo à retirada do palmito”, conta.
Nos anos 1980 começou a ter uma valorização do fruto gerada por situações que contribuíram para chamar atenção para a fruta, com referências nos meios de comunicação fora do Pará. “O público começou a ter conhecimento que existia uma fruta chamada açaí. A partir dos anos 80 houve essa intensidade de venda para outros Estados e depois para outros países”.
Nos anos 1990 houve aceleração da venda para fora do Brasil. Telenovelas como “Renascer” – que se passava no Estado da Bahia – e ressaltava a agricultura - chamaram atenção para o açaí.
A fama da superfruta não parou mais, e só faz crescer. Recentemente uma novela produzida na Turquia (O Canto do Pássaro) mostra o casal protagonista saboreando o açaí no café da manhã.
Para os paraenses que vivem em outros países, essa valorização da fruta e a expansão que ela tomou ajudam a matar a saudade de casa.
“É impossível não amar a riqueza de sabores da nossa terra, mesmo longe. A Vick, minha filha, tem um orgulho muito grande em trabalhar na loja de açaí, na qual está sendo seu primeiro emprego. Assim, ela pode consumir com mais frequência. No próximo ano vamos visitar a família em Belém e já combinamos de criar muitas memórias e experiências degustativas para ela”, anuncia Jéssica Alves diretamente da Austrália.