Fé, arte e inclusão: Auto do Círio celebra 32 anos com o Circo da Lona Preta
Projeto tem apoio da Secult, Defensoria Publica do Pará e de demais entidades para aproximar a arte da população em situação de rua
O tradicional Auto do Círio ocupou as ruas do centro histórico de Belém na noite desta sexta-feira (10), em uma celebração da cultura e da fé popular. Nesta edição, o cortejo celebrou 32 anos de existência, com o tema “Nossa Senhora de Nazaré, iluminai as lutas dos Povos da Amazônia”, que alia a fé mariana às reflexões sobre a pauta ambiental. Uma das novidades deste ano foi a apresentação do Circo da Lona Preta, formado por pessoas em situação de rua, nascido do projeto “Rua na Arte”, com apoio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult).
A iniciativa aproxima a arte das pessoas em situação de rua e integra ainda mais essa comunidade à festividade. A secretária de Cultura do Estado, Ursula Vidal, comemorou a participação do grupo no Auto do Círio deste ano, destacando que a essência do Círio de Nazaré é a congregação de diferentes expressões e também um momento de acolhimento e pertencimento.
“O Circo da Lona Preta foi uma performance artística preparada com muito carinho, em uma parceria entre Secult, Fundação Cultural do Pará, Defensoria Pública do Estado do Pará e outras entidades e instituições que desenvolvem atividades culturais continuadas para acolher a população em situação de rua. Foi um momento emocionante de celebração - o grupo no palco recebendo os aplausos, manifestando sua criatividade e liberdade. Um exercício de amor e fraternidade”, celebrou a secretária de Cultura.
Nas ruas do bairro da Cidade Velha, por onde o cortejo passou, artistas dançaram e cantaram, usando diferentes linguagens artísticas para impulsionar a reflexão proposta pelo tema deste ano — misturando símbolos religiosos a outros elementos locais. Essa diversidade de expressões busca enaltecer um dos períodos mais marcantes do estado: a festa de Nossa Senhora de Nazaré. A concentração começou na Praça do Carmo, às 17h30, com saída às 19h, em um percurso que passou por pontos históricos como a Catedral da Sé e o Palácio Lauro Sodré, sede do Museu do Estado do Pará (MEP).
Para o multiartista e drag queen Ary Filardo, que participa da celebração há 11 anos, o Auto é um espaço de experimentação e liberdade. Ele afirma que retorna todos os anos ao cortejo, primeiro pelo amor à arte; depois, pelo prestígio e pelo carinho com que são recebidos pelos participantes.
“O que me motiva a retornar a esta celebração de fé e cultura popular ano após ano é, primeiramente, o amor pela arte. Em segundo lugar, o apreço pelo evento em si, sabendo que as pessoas que vêm prestigiam nosso trabalho. E, fundamentalmente, a fé, compartilhada por todos em Nossa Senhora”, afirmou o artista.
Um exemplo dessa mistura cultural é o palhaço Tilinho, porta-voz de um coletivo de palhaços que acompanha o Auto do Círio desde o início. Ele acredita que os “elementos religiosos, festivos e os ditos profanos se beneficiam do riso”, que é a essência máxima da figura do palhaço — a quem descreve como o “sacerdote do riso”.
Sua trajetória artística se mistura à do Auto e, mesmo sem professar nenhuma fé, ele se mantém fiel à tradição da arte. Isso porque, para o palhaço, a arte é a expressão de tudo o que existe — inclusive da fé e da religiosidade. Ao longo dos anos, segundo ele, o significado da festa para sua vida se tornou cada vez mais complexo, motivo pelo qual evita tentar explicá-lo.
“Para mim, como artista, é a maneira de estar próximo do sagrado, dessa força maior que transcende a compreensão humana, que é a devoção e a fé. Embora eu não professe nenhuma religião específica, aqui, como artista, exerço minha espiritualidade por meio da arte”, afirmou Tilinho.
Texto: Maycon Marte / Ascom Secult