Tratamento em casa amplia qualidade de vida de pacientes renais do Hospital Abelardo Santos
Diferentemente da hemodiálise, a diálise peritoneal reduz os deslocamentos frequentes ao hospital e amplia a flexibilidade na rotina
A história de Ana Luísa, 18 anos, marcou o encontro entre pacientes em tratamento de diálise peritoneal, promovido nesta quinta-feira (18), no Hospital Regional Dr. Abelardo Santos (HRAS). Há quatro anos, em decorrência do lúpus, a jovem foi diagnosticada com doença renal crônica e, atualmente, integra o grupo que escolheu a diálise peritoneal como alternativa ao método tradicional de hemodiálise.
“Infelizmente, a diálise peritoneal é cercada por mitos, o que faz com que muitos deixem de conhecer os benefícios da terapia. Antes, achava que precisaria ir ao hospital três vezes por semana para a hemodiálise, mas hoje realizo o tratamento em casa, sem comprometer minha rotina, meus estudos e outras atividades”, relatou Ana Luísa, ao lado da mãe, a aposentada Míria Mescolto, 61 anos.
Embora ainda pouco conhecido, o procedimento é oferecido pelo Hospital Abelardo Santos, em Icoaraci, distrito de Belém, desde 2021, de forma totalmente gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Programa de Diálise Peritoneal. Maior unidade de saúde pública do Governo do Pará, o HRAS possui capacidade para atender 25 pacientes, porém apenas 24% das vagas estão ocupadas.
Jaqueline Silva Gomes compartilhou a história da mãe, Maria Nascimento, 53 anos, marcada por idas e vindas ao hospital, com passagens pela Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 18 anos de tratamento de hemodiálise. “Só o fato de ela não precisar mais vir ao hospital com frequência para a hemodiálise já é um ganho. Com a diálise peritoneal, o procedimento é feito em casa, junto da família”, destacou.
Com a diálise peritoneal, a autônoma Liliane Almeida, 35 anos, consegue manter a rotina de trabalho e até viajar. “São duas situações que, para quem faz hemodiálise, são quase impossíveis. Muitas pessoas precisam se aposentar por não conseguirem mais exercer suas profissões. Viajar para outro município ou Estado, longe do hospital, também é complicado. Mas hoje consigo fazer tudo isso”, afirmou.
Diferença entre os procedimentos - A hemodiálise utiliza uma máquina para filtrar o sangue fora do corpo e exige sessões presenciais de três a quatro vezes por semana, com duração média de até cinco horas. Já a diálise peritoneal permite que o tratamento seja feito em casa, com mais autonomia e flexibilidade na rotina, ao usar o peritônio, que é a membrana que reveste o abdômen, como filtro natural do organismo.
Segundo a nefrologista Verônica de Jesus, a diálise peritoneal apresenta vantagens como menor instabilidade cardíaca, melhor controle da pressão arterial, do peso e da anemia, além de maior liberdade alimentar e facilidade para viajar. “Enquanto a hemodiálise exige cerca de 16 idas mensais ao hospital, a diálise peritoneal requer apenas uma visita por mês para exames e consultas, além de possibilitar o retorno ao trabalho e aos estudos e preservar os vasos sanguíneos dos membros superiores”, explica.
Baixa adesão - Essa técnica vem sendo amplamente adotada nos Estados Unidos, Tailândia e China. No México, a terapia atinge cerca de 50% dos diagnosticados com doença renal. No entanto, os números no Brasil revelam um cenário diferente, com menos de 5% dos pacientes optando pela diálise peritoneal, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).
Periodicamente, o Hospital Abelardo Santos realiza campanhas de conscientização, como a realizada na manhã desta quinta-feira (18) sobre o assunto, com o objetivo de aumentar a adesão ao tratamento com mais informações e combate às fake news sobre a técnica. Atualmente, há 120 pacientes cadastrados no Centro de Hemodiálise no HRAS, e metade está apta a realizar diálise peritoneal.
“A falta de conhecimento sobre essa terapia é o principal desafio. Há muita desinformação, principalmente sobre a eficácia da técnica. Mas é importante reafirmar que a diálise peritoneal tem a mesma função da hemodiálise, mas com o benefício da autonomia e da liberdade. Claro que o médico precisa ser consultado para identificar possíveis contraindicações”, informa a médica Verônica de Jesus.
Regulação - Com o diagnóstico de disfunção renal crônica, o paciente pode iniciar a terapia de diálise peritoneal. Se já estiver em tratamento de hemodiálise, a migração de modalidade é um direito do paciente após avaliação médica. Em ambos os casos, esse processo é feito por meio da regulação de vagas, realizada pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) ao Hospital Abelardo Santos.
No início do tratamento, o HRAS mobiliza uma equipe multidisciplinar, composta por médico, enfermeiro, assistente social, psicóloga e nutricionista, para realizar visitas domiciliares destinadas a orientar a família sobre os cuidados essenciais que devem ser tomados e as adequações necessárias ao ambiente doméstico, a fim de garantir a segurança e o bem-estar do paciente.
A enfermeira diarista do Serviço de Terapia Renal Substitutiva (STRS), Gisele Carvalho, orienta ao paciente que “converse com o seu médico sobre a intenção de iniciar ou migrar para essa técnica e seus benefícios”. A profissional acrescenta que: “Tanto o equipamento quanto os materiais são fornecidos gratuitamente para o paciente realizar o tratamento em casa, com segurança”.
Além de ser referência no atendimento à mulheres, crianças e povos indígenas, o Hospital Abelardo Santos também se destaca como um dos principais centros de hemodiálise do Pará. Entre janeiro e agosto de 2023 e o mesmo período de 2025, a unidade registrou crescimento de 29,25% no número de sessões, resultado dos investimentos do Governo do Estado para ampliar o serviço.
